domingo, 26 de abril de 2015

ARTIGO - DE JOAQUIM MARIA PARA JOSÉ MARIA: A CRÍTICA DE MACHADO DE ASSIS À OBRA DE EÇA DE QUEIRÓS


De Joaquim Maria para José Maria: A crítica de Machado de Assis à obra de Eça de Queirós
Por:
Jorge Eduardo Magalhães
RESUMO:
Este trabalho faz um estudo a respeito da crítica machadiana da obra de Eça de Queirós, mais propriamente sobre os romances O primo Basílio e O Crime do Padre Amaro. Inicialmente é brevemente comentada a admiração de Machado de Assis pela Literatura Portuguesa e pelo escritor Almeida Garrett. Posteriormente faz uma comparação entre os dois romances citados de Eça com outros dois romances dos escritores franceses Emile Zolá e Honoré Balzac.
Palavras-chave: Machado de Assis, Literatura Portuguesa, Eça de Queirós, Crítica.
ABSTRACT
This work is a study about Machado's criticism of the work of Eca de Queiroz , more specifically on the novels Cousin Basilio and The Crime of Father Amaro . Initially it is briefly commented Machado de Assis of admiration for Portuguese Literature and writer Almeida Garrett. Subsequently makes a comparison between the two novels of Eca cited two other novels of French writers Emile Zola and Honore Balzac .
Key-words: Machado de Assis, Literatura Portuguesa, Eça de Queirós, Crítica.



I – Introdução


Machado de Assis era um grande leitor e conhecedor não só da Literatura Brasileira como também da Literatura Universal e das suas mais diversas tendências, é isso que fica evidente ao analisarmos suas críticas literárias.
Dentro do contexto dessa Literatura Universal, Machado de Assis, em sua fortuna crítica, demonstrou ser grande admirador da literatura portuguesa. No seu “Instinto de nacionalidade”, escrito em 1873, Machado usa um termo de Garrett para falar do romance que busca sempre a “cor local”. Vinte e seis anos depois, ano em que publicou o seu romance Dom Casmurro, escreveu um artigo intitulado “Garrett” no qual enaltece o autor de Viagens na minha terra e Frei Luís de Sousa denominando sua escrita como literatura sem falha.
É valido citarmos estes exemplos de textos críticos de autores portugueses para chegarmos ao foco central deste estudo: a obra de Eça de Queirós, mas propriamente a crítica escrita por Machado de Assis sobre o romance O primo Basílio em 1878, o mesmo ano de publicação do romance, intitulada “Eça de Queirós: O primo Basílio” onde faz algumas considerações sobre a obra citada a respeito da falta de consistência das personagens e o predomínio das sensações físicas em detrimento das emoções.
Devemos lembrar que em “Eça de Queirós: O primo Basílio”, Machado faz uma comparação entre duas obras de Eça, O crime do padre Amaro e O primo Basílio, e dois outros romances, um de Emile Zola e outro de Honoré Balzac, citando alguns pontos em comum e algumas divergências entre as obras.
Não podemos nos esquecer de citar que em 1900, apenas uma semana depois da morte de Eça de Queirós, Machado de Assis escreveu uma carta a Henrique Chaves falando sobre a perda desse grande romancista português, mostrando-se seu grande admirador.

II – Uma breve crítica ao romance O crime do padre Amaro

Nesta análise crítica intitulada “Eça de Queirós: O primo Basílio, publicada na revista O cruzeiro no dia 16 de abril de 1878, Machado de Assis demonstra total admiração por Eça a quem ele denota o grande valor de O primo Basílio, sua obra recém publicada, por confirmar seu ideal e talento como iniciador do Realismo em Portugal.
Eça de Queirós já era conhecido nos artigos publicados em Farpas, revista literária de Ramalho Ortigão que fazia uma admirável caricatura da sociedade de sua época, aliás, foi nesse período d’As Farpas, em 1871, que Eça se envolveu nas Conferências do Cassino, sob a liderança de Antero de Quental, quando tomou a seu cargo a apologia ao realismo Flaubertiano[1], e também pelo seu romance O crime do padre Amaro, que lhe trouxe grande notoriedade. No entanto, Machado faz uma certa crítica ao romance citado por ser cópia do romance de Emile Zola, La faute de l’abbé Mouret, onde também aparece um padre que comete seus deslizes.
Observemos este trecho da crítica de Machado:

Que o senhor Eça de Queirós é discípulo do autor do Assommoir, ninguém há que não o reconheça. O próprio O crime do Padre Amaro é imitação do romance de Zola, La faute de l’abbé Mouret. Situação análoga, iguais tendências; diferença do meio; diferença do desenlace; idêntico estilo; algumas reminiscências, como no capítulo da missa, e outras; enfim, o mesmo título.[2]



Machado só não concorda com o crime porque o padre Amaro convivia com outros padres que também viviam de forma “impura” e tinham até amantes, sendo assim, não havia necessidade dele esconder o seu pecado e nem mesmo ter assassinado o seu próprio filho.
Segundo Maria Manuel Lisboa:

A cumplicidade subentendida e enternecida para com padres que seduzem as suas filhas paroquianas, que lhes são ademais, alarga-se em ramificações mais espraiadas, no contexto de famílias deturpadas, que simultaneamente, o são e não o são.[3]


Em seu texto crítico Machado afirma que o sucesso da obra se dá ao grande talento literário de Eça de Queirós e destaca o fato de que pela primeira vez, na literatura em língua portuguesa, tratava-se de tal tema com tanta exatidão e minuciosidade levando-se em consideração o grande sentimento anticlericalista da época, o romance .[4]
O sacerdócio sem vocação é um tema muito abordado a partir da década de 70 até o final do século dezenove, inclusive na Literatura Brasileira, bastando citarmos como exemplo O seminarista, de Bernardo Guimarães, publicado em 1872, que narra o drama de Eugênio e Margarida, os dois jovens se apaixonam e, indiferente aos seus sentimentos, o pai do rapaz o manda para o seminário. Segundo o crítico Alfredo Bosi o romance O seminarista é um [5].
Outro exemplo a citarmos é Dom Casmurro, do próprio Machado de Assis, publicado em 1899, que apesar do tema central ser o ciúme, o romance possui duas personagens que vão para o seminário sem ter a vocação sacerdotal: Bento Santiago e Ezequiel Escobar.
É importante fazermos uma citação do trecho do romance Dom Casmurro em que Bento, .[6]

III – Enfim, O primo Basílio


Segundo Machado de Assis, o romance O primo Basílio teve seu grande sucesso porque o público já esperava um novo livro de Eça de Queirós que fosse tratar do mesmo Realismo do seu romance anterior, O crime do padre Amaro.
Na visão de Machado de Assis, Eça pecou quando fez tanto o padre Amaro como o primo Basílio fecharem o livro com frases cínicas, pois no primeiro romance o < já não as confesso senão as casadas>[7], soou como novidade, no segundo caso em que Basílio, após saber do falecimento da prima, num gesto cínico, lamenta [8], isso soou como clichê.
Percebe-se que Machado de Assis mais uma vez nos revela que Eça se inspirou em uma outra grande obra, desta vez, Eugênia Grandet, de Honoré Balzac, para criar a Luísa de O primo Basílio, no entanto, não se pode considerar o romance um plágio, pois enquanto a personagem de Balzac é uma figura moral, a personagem queirosiana tem um caráter negativo e a chama de títere, ou seja, como se ela fosse um boneco que se move por cordas imitando os gestos humanos também chamado de bonifrate, fantoche e marionete e que, no sentido figurado, é o indivíduo que se deixa levar facilmente por outrem.
Machado de Assis faz uma crítica violenta ao romance por considerar que a falta do caráter moral de Luísa deixa-nos perceber que o seu envolvimento com o primo não passou de uma aventura e estava fadado a terminar logo que o primo partisse para a França e o marido retornasse. Se não fosse a intervenção de Juliana, a empregada, a história perderia o interesse do leitor como podemos observar neste trecho da crítica machadiana:

Um leitor perspicaz terá já visto a incongruência da concepção do Sr. Eça de Queirós, e a inanidade do caráter da heroína. Suponhamos que tais cartas não eram descobertas, ou que Juliana não tinha a malícia de as procurar, ou enfim que não havia semelhante fâmula em casa, nem outra da mesma índole. Estava acabado o romance, porque o primo enfastiado seguiria para a França e Jorge regressaria do Alentejo; os dois esposos voltavam à vida anterior.[9]



No entanto, ainda assim, Machado de Assis critica a tal situação da criada e da patroa. Machado questiona o tipo de ensinamento que o autor buscou e a possível resposta de Eça, dizendo que não quis formular nenhuma lição de moral e sim uma hipótese.
Machado levanta a questão de que se ele quisesse escrever uma hipótese, que esta hipótese fosse lógica, humana e verdadeira, o que não ocorre com as personagens da citada obra de Eça.
Segundo Carlos Reis:

O primo Basílio corresponde, de facto, ao fundamental da doutrinação naturalista, interiorizada por um Eça então consciente das responsabilidades sociais da arte; nele representa-se uma intriga de adultério, juntando-se-lhes ainda a atmosfera morna e medíocre da Lisboa da Regeneração que tem a monotonia dos serões familiares e no Passeio Público praticamente os seus únicos divertimentos.[10]



Convém lembramos que o romance foi escrito entre setembro de 1875 e setembro de 1877 e publicado pela primeira vez em 1878, apenas duas décadas após a Regeneração, que teve início em 1851, derrubando definitivamente o governo de Costa Cabral.
Para Machado, Eça exagera em alguns termos e descrições de quadros em seu romance. A reiteração de moléstias em O crime do padre Amaro onde vários destas são afetados por catarro e em O primo Basílio, um indivíduo morre de catarro na bexiga. Pelo que se pode notar, tais exageros abafam o ponto de vista principal da obra.
Assim Machado de Assis cita o “chefe da escola” naturalista que dizia ser o perigo do movimento realista que é o fato de haver quem suponha que o traço grosso é o traço exato.
Machado volta a comentar as críticas que recebeu devido a análise feita da obra de Eça. Então tenta justificar e reiterar sua análise afirmando que no romance o fortuito e acessório substituíram o principal, ou seja, os caracteres foram trocados pelo incidente das cartas e sem o extravio das tais cartas o romance perderia a ação e a vida das personagens seria a mesma desde o primeiro capítulo.
Eis o que Machado de Assis considerou incongruente e contrário às leis da arte.

IV – Mais uma comparação

Segundo Sérgio Nazar David, os romances O primo Basílio e O crime do padre Amaro levam a termo as teses do naturalismo: o desejo de escrever nua e crua os vícios da sociedade burguesa. Afirma ainda que a crítica de Machado de Assis, quando aponta as semelhanças entre Eça e Zola, todos já reconhecem, é absurda.[11]
Machado compara o extravio das cartas de Basílio para Luísa ao sumiço do lenço de Desdêmona em Otelo, de William Shakespeare.
Na peça teatral quando Otelo, um nobre general mouro, escolhe Cássio para ocupar a função de tenente em detrimento de Iago, este sente a necessidade de vingança e o prazer de praticar o mal. Quando Otelo e Desdêmona se casam, Iago incita no espírito do mouro o veneno do ciúme e Otelo pede provas. Iago põe um lenço de Desdêmona no quarto de Cássio. Iago conta a Otelo ter visto Cássio com o lenço e, quando Desdêmona não pode mostrá-lo ao marido, Otelo jura vingar-se de Desdêmona e Cássio.
Observemos a fala de Otelo após descobrir a suposta traição arquitetada pelo invejoso Iago:


OTELO – Sim, que ela apodreça, que ela pereça e que seja condenada ao inferno hoje à noite! Ela não viverá! No meu coração virou pedra! Bato nele e fere minha mão! O mundo não possuía criatura mais adorável! Era digna de repousar ao lado de um imperador e de ditar-lhe ordens.[12]



Um leitor mais atento e conhecedor da obra de Eça e de Shakespeare logo pode perceber a clara diferença entre as duas obras: neste último caso é o caráter e sentimento de Iago, Otelo e Desdêmona o ponto principal da obra o que não ocorre em O Primo Basílio.
Em Otelo a traição não ocorre, a desconfiança da personagem-título se dá devido às intrigas de Iago, sendo assim, o lenço é uma prova forjada, enquanto que em O primo Basílio a traição realmente ocorre sendo as cartas uma prova concreta e evidente do adultério.
Também na peça de Shakespeare, o suposto marido traído resolve se vingar, enquanto que no romance de Eça, Jorge, o marido que realmente foi traído, está disposto a perdoar a esposa quando a vê agonizando como podemos perceber nesta fala de Jorge no capítulo XV:

Ele ajoelhou-se ao pé da cama, e falando-lhe junto ao rosto:
- Que tens tu? Não se fala mais em tal. Acabou-se. Não estejas doente. Juro-te, amo-te. Fosse o que fosse, não me importa. Não quero saber, não.
E como ela ia falar, ele pousou-lhe a mão na boca:
- Não, não quero ouvir. Quero que estejas boa! Que tens? Vamos amanhã para o campo, esquece-se tudo, foi uma coisa que passou.[13]



A reação das duas personagens diante da traição é completamente diferente, ambas têm plena certeza da traição, mas um disposto a perdoar e outro a lavar sua honra.
No romance Dom Casmurro, Machado também faz uma menção a Otelo. No capítulo CXXXV, Bento vai ao teatro e assiste justamente a tragédia do mouro de Veneza e sofre uma catarse com a agonia da personagem shakesperiana, pois se Desdêmona, que era inocente, morreu, Capitu, que na sua visão, era culpada, também merecia morrer.

V – Conclusão


Finalmente Machado de Assis afirma que não se pode sair dos exageros e estafados retratos do romantismo pudico para se cair no exagero do erotismo como faz Eça de Queirós ao narrar os encontros amorosos dos primos. Isso não seria regenerar a arte.
Confirma sua admiração por Eça e seu talento, mas discorda de suas doutrinas e de sua linguagem, fala a verdade, pois isso é o que se chama de crítica.
A admiração de Machado por Eça fica evidente numa carta escrita por Machado de Assis a Henrique Chaves no dia 23 de agosto de 1900 na Gazeta de Notícias, uma semana depois da morte do escritor português, Machado lamenta a perda desse grande romancista.
Percebemos que apesar de fazer duras críticas à sua obra, em especial, os dois romances trabalhados, Machado de Assis era grande admirador da obra de Eça de Queirós.

Bibliografia:

1. ASSIS, Machado de. Crítica & variedades/Machado de Assis. São Paulo: Globo,
   1997.


2. ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. São Paulo: Globo, 1997.


3. BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura Brasileira.
    São Paulo: Cultrix, 1994.


3. DAVID, Sérgio Nazar. .O diabo é o sexo / Sérgio Nazar David (Org.) . Rio de
    Janeiro: Ed UERJ, 2003.


4. LISBOA, Maria Manuel. Uma mãe desconhecida – Amor e perdição em Eça de
    Queirós. Lisboa: Imprensa nacional – Casa da Moeda, 2008


5. MONTEIRO, Ofélia Paiva. O essencial sobre Almeida Garrett.
             Lisboa: Imprensa nacional – Casa da Moeda, 2001.

6.  QUEIRÓS. Eça de. O crime do padre Amaro. São Paulo: Editora Ática, 1999.



7. _______________. O primo Basílio. Belo Horizonte: CEDIC.


8. REIS, Carlos. O essencial sobre Eça de Queirós.  Lisboa: Imprensa nacional - Casa
   da Moeda.


9. SENNA, Marta de. Ensaios em torno de Machado de Assis. Rio de Janeiro: Nova
    Fronteira, 1998.



10. SHAKESPEARE, William. Obra completa / Vol. I.  Rio de Janeiro: Aguilar, 1969.






[1] REIS, Carlos. O essencial sobre Eça de Queirós.  Lisboa: Imprensa nacional - Casa da Moeda. p. 12.
[2] ASSIS, Machado de. “Eça de Queirós: O primo Basílio” In: ----. Crítica & variedades/Machado de Assis. São Paulo: Globo, 1997. p. 133.
[3] LISBOA, Maria Manuel. “Os crimes do padre Amaro ou donos de casa: quando Deus fez o homem à
             Imagem de semelhança”. In: ----. Uma mãe desconhecida – Amor e perdição em Eça de Queirós.
             Lisboa: Imprensa nacional – Casa da Moeda, 2008. p. 64.
[4] Op. Cit. nota 1.. p. 18.
[5] BOSI, Alfredo. O Romantismo. In: ----. História concisa da Literatura Brasileira. São Paulo:
          Cultrix, 1994. p. 143.
[6] SENNA, Marta de. “O olhar oblíquo do Bruxo”. In: ----. Ensaios em torno de Machado de Assis.
           Rio de Janeiro:  Nova Fronteira, 1998. p. 97.
[7] QUEIRÓS. Eça de. O crime do padre Amaro. São Paulo: Editora Ática, 1999. p. 356.
[8] _______________. O primo Basílio. Belo Horizonte: CEDIC. p. 238.
[9] Op. Cit. nota 1. p. 137.
[10] Idem. p. 14.
[11] DAVID, Sérgio Nazar. “O Mundo, O Diabo e A Carne – Eça de Queirós e os inimigos da alma.
             In: ----. O diabo é o sexo/ Sérgio NAzar David (Org.) . Rio de Janeiro: Ed UERJ, 2003. p. 87-88.
[12] SHAKESPEARE, William.  “Otelo, o mouro de Veneza”. In: ----. Obra completa / Vol. I.
              Rio de Janeiro: Aguilar, 1969. p. 761.
[13] Op. Cit. nota 8. p. 224. 

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