ATENÇÃO LEITORES:DEIXEM OS SEUS COMENTÁRIOS SOBRE ESTES MEUS TEXTOS.MEMÓRIAS DO CARNAVAL
Por: Jorge Eduardo Magalhães
SAUDADES
Oh saudades! / M eu carnaval é você/ Caprichosamente / Vamos reviver (...).
Quem não se lembra desse inesquecível samba da Caprichosos de Pilares no carnaval de 1985? Aquele era um ano de transição no país, estávamos finalmente saindo da ditadura, aliás, na televisão passava uma propaganda com dicas para o carnaval que tinha o jingle: “Caia na folia! Caia na folia! No carnaval da democracia!”
O brasileiro vivia uma época de muitas esperanças e também de saudades de tempos passados que provavelmente não voltariam mais. Saudades era o enredo da Caprichosos naquele ano e, conforme o samba dizia, saudades do amolador de faca, do leite sem água, da gasolina barata.
Lembrava que diretamente o povo elegia o presidente, pois estávamos saindo do governo militar; daquela seleção nacional, pois desde 1970 o Brasil não vencia uma copa do mundo; do Botafogo, que amargava o título desde 1968 e da virgindade que havia levado sumiço.
De lá para cá, muitas coisas mudaram no país, outras não: o bonde, como em 85, só podemos ver no Corcovado ou em Santa Teresa, o amolador de facas, ainda é possível ver muito raramente perdido em alguma rua do subúrbio e a virgindade continua desaparecida; mas elegemos diretamente o presidente, a seleção brasileira ganhou mais duas copas do mundo e o Botafogo já foi campeão diversas vezes a partir de 1989.
De várias coisas que os cariocas sentem saudades, uma delas são os velhos carnavais da Caprichosos com seus enredos e sambas irreverentes e por isso em nome de todos os apaixonados pelo carnaval pergunto – onde anda você Caprichosos de Pilares com seus antigos carnavais?
O ZIRINGUIDUM DA MOCIDADE
Na terça-feira do carnaval de 1985, fui passar o dia na casa da minha avó na antiga Rua C, em Padre Miguel. O carnaval do bairro era muito animado com diversos blocos passando pelo Ponto Chic, ponto de encontro do bairro.
Achei fascinante no bairro o fato de praticamente todos os moradores torcerem pela Mocidade Independente de Padre Miguel, que seria a campeã do carnaval daquele ano com o enredo Ziringuidum 2001, um carnaval nas estrelas.
Outra coisa que também me chamou atenção foi o fato de muitas pessoas usarem a camisa do Bangu, que estava em seu auge. Naquele ano o time alvi-rubro deixaria escorregar pelas mãos o título de campeão brasileiro para o Curitiba nos pênaltis, em pleno Maracanã.
Mas voltando a falar do carnaval de 1985, lembro-me que naquele dia a Mocidade fez um desfile para a comunidade pelas ruas de Padre Miguel e, mesmo sendo um desfile informal, eu e todos os que assistiam àquele espetáculo ficamos fascinados com o que víamos, pois eram encantadoras suas fantasias e os adereços com caráter futurista em harmonia com o samba e a inconfundível bateria da escola. A Unidos de Padre Miguel também fez seu desfile para a comunidade, com menos glamour, mas com a mesma garra e amor com o enredo Folia, amor e fantasia.
A Mocidade, merecidamente, foi a campeã do carnaval daquele ano causando uma grande euforia à comunidade daquele bairro da Zona Oeste, mas, infelizmente, a Unidos de Padre Miguel ficou em último lugar do Grupo 1-B, sendo rebaixada.
Naquele ano de grandes surpresas e transformações no país como a abertura política, a morte de Tancredo Neves e o sucesso estrondoso da novela Roque Santeiro, só faltaram duas coisas para completarem a felicidade do povo de Padre Miguel: o Bangu ter sido campeão brasileiro e a Unidos de Padre Miguel em vez de rebaixada, ter sido campeã do grupo 1-B para no ano seguinte desfilar junto com a Mocidade.
A EM CIMA DA HORA E A RUA DA CARIOCA
Em 1996 eu saía no Bloco do Bigode que desfilava na Avenida Rio Branco nos domingos e terças de carnaval.
Num dos pagodes na sede do bloco, que ficava na Rua Silvana, em Piedade, realizado um domingo antes do carnaval, uma das componentes do bloco me convidou para desfilar na Em Cima da Hora, que iria desfilar no sábado de carnaval pelo grupo A.
Aliás, o Bloco do Bigode parecia ter alguma ligação com a escola de Cavalcante, pois no repertório dos pagodes de domingo não podia faltar “Os sertões”, inesquecível samba-enredo da Em Cima da Hora de 1976, samba homônimo da obra de Euclides da Cunha, que falava sobre a guerra de Canudos.
O enredo daquele ano era sobre a Rua da Carioca e a minha ala representava o Bar Luiz, que tem um dos melhores chopes da cidade. Como é um bar com comida alemã, a nossa fantasia era de tirolês azul, que representava a cor da escola. Um caneco de chope pendurado no pescoço por um barbante também fazia parte da fantasia.
Na concentração eu comprava cerveja em lata e enchia a caneca pendurada no pescoço enquanto ríamos e tirávamos fotos.
A nossa escola seria a primeira a desfilar e quando o alto-falante anunciou a nossa entrada e do outro lado da Presidente Vargas teve uma sessão de fogos, nossos corações bateram mais forte. Lembro-me até hoje da chamada para começar a cantar o samba: “Com seu manto azul e branco vem ela aí e vem lá de Cavalcante pra Sapucaí.”
A presidente da ala alertou para que não entrássemos bebendo na avenida e rapidamente bebemos a cerveja que estava na caneca. Começava o samba: “Ô yara cigana, canta, dança e toca, é Rio, é Rua, é Carioca”. Mas a nossa ala se empolgava ainda mais quando cantávamos a parte: “E tome polca, no Bar Luiz a noite inteira, samba, chope e gafieira”, mostrando as canecas para o público e para os jurados.
Foi uma emoção ver o Arco da Apoteose crescendo diante dos nossos olhos e chegamos à dispersão com sensação de missão cumprida.
A GRES Em Cima da Hora tirou um modesto 6º lugar, mas fez um lindo desfile com qualidade de campeã.
MADAME SATÃ DA LINS IMPERIAL
Na minha adolescência, o ônibus que eu pegava de volta para casa, quando ia à praia de Copacabana, passava na Avenida Mem de Sá, na Lapa. Na época um lugar onde a única coisa que me chamava a atenção, além da exuberância de seus Arcos, era porque dava para perceber, mesmo durante o dia, que era um lugar de prostituição devido ao número de inferninhos e hotéis baratos. De um lado da avenida ficava a Boate Carrossel e do outro a Novo México, que hoje é o Niño de Artes Luiz de Mendonça, um espaço cultural dedicado ao teatro.
Em 1990 a Lins Imperial homenageou Madame Satã, figura folclórica do bairro boêmio carioca que vivia entre “malandros e artistas; mundanas e conquistas e famosos cabarés e também rufiões e cafetinas que sempre disputavam o comércio dos bordéis”. O inesquecível samba-enredo que começava com “A lua vem brilhando cor de prata, para iluminar a Lapa, dos sambistas e seresteiros” emocionava o público na Sapucaí que vibrava ainda mais quando a escola do Lins cantava na avenida o refrão “Navalha no bolso e chapéu de panamá, lá vai o malandro, o baralho cartear”.
A Lins Imperial ficou em antepenúltimo lugar e escapou de ser rebaixada, mas foi campeã em meu coração, numa época que eu nem sonhava que um dia seria vizinho da escola e tampouco desfilaria por ela muitos anos depois.
O enredo da Lins Imperial de 90 me incentivou a conhecer a Lapa, que no início dos anos noventa, ainda era um lugar deserto, escuro e perigoso, repleto de travestis, pivetes e prostitutas, muito longe de ser o ponto turístico que é hoje em dia, com seus Arcos e seus velhos casarões, testemunhas de várias lendas e histórias.
NA CASA DE TIA SURICA
Lecionei durante todo o ano de 2003 no Colégio Estadual Paulo da Portela, em Irajá, onde minha esposa era diretora.
Naquele ano o patrono do colégio completaria cento e dois anos de seu nascimento e, junto com os outros professores e alunos elaboramos um projeto que chamamos de Primeira Semana Paulo da Portela quando seriam apresentadas atrações e trabalhos em homenagem ao fundador da escola de samba de Madureira, pois nosso colégio levava o seu nome.
Primeiramente fomos à quadra da Portela conversar com a Velha Guarda onde fomos recebidos com muito carinho por Monarco que rapidamente nos integrou com todo o restante do grupo, fizemos entrevistas, escutamos suas histórias com tudo registrado num gravador por um dos professores e no final todos nós fomos convidados para desfilar o que aceitamos imediatamente e nos deixou lisonjeados.
Num outro dia formamos uma comissão da qual fazia parte professores, funcionários e uma aluna, que dizia ser vizinha do filho da Paulo da Portela, para irmos à casa de Tia Surica, em Madureira.
Passamos uma tarde muito agradável ouvindo as histórias daquela tradicional componente da Velha Guarda da Portela e quando a aluna disse que conhecia o filho de Paulo da Portela, Tia Surica foi logo falando desconfiada:
- Filho? Paulo da Portela não teve filho!
Ficou pensativa por algum tempo e perguntou à aluna:
- Vem cá, é um negão que estica o cabelo?
E quando a aluna respondeu que sim, teve certeza de quem estava falando:
- Mentira, aquele lá é o Cabelo Frito, ele fala pra todo mundo que é filho do Paulo da Portela!
Rimos do caso e depois em casa comentei com minha esposa:
- Já pensou que vergonha, se no dia da festa, nós homenageássemos o falso filho do Paulo da Portela diante da Velha Guarda?